Em 2004 fui convidado pelas Amigas do Peito para falar sobre “Paternidade e amamentação” em um evento. Fiquei surpreso com a quantidade de perguntas ou piadinhas que ouvi de conhecidos antes de falar – como “o que os homens têm a ver com isso?” ou “você vai contar como amamentou?”. Surpresas e gracinhas à parte, essas perguntas podem nos ajudar a refletir sobre a participação do homem na amamentação do filho.
Parto do princípio de que o envolvimento do pai no cuidado com a criança é importante. No entanto, se quase todos concordam com essa orientação geral, isso não significa que ela seja óbvia nem seguida quando estamos falando de amamentação: afinal, o que o pai tem a ver com isso?
Tem muito a ver, em primeiro lugar, se adotarmos a perspectiva de que o relacionamento com a mulher e com os filhos não é algo pronto e acabado desde o início da vida familiar; que, ao contrário, ele se constrói ao longo do tempo. Há um processo contínuo que passa por diferentes fases: gravidez, parto, amamentação, desmame – e que segue por toda a vida. Essas fases são relacionadas entre si, não são momentos estanques. Um pai que não participa do acompanhamento da gravidez, que não vai às consultas e exames pré-natais, que não conversa com sua mulher sobre o parto, sobre a escolha do obstetra e do pediatra, tem menos chance de vir a ser participativo em outros momentos da criação dos filhos: dar banho, alimentar, pôr pra dormir, levar para a escola…
É claro que toda essa discussão tem a ver com modelos familiares e com a imagem que temos do que é ser pai. Qual era, em nossa cultura, o modelo tradicional , aquele da geração dos nossos avós e pais? O do homem provedor, que saía para trabalhar e deixava a casa e os filhos aos cuidados da mulher. Casa/família e mundo/trabalho apareciam, assim, como dois mundos distintos. Essas noções se reproduziram, através da educação, por muitas gerações, e desde a mais tenra infância: as meninas brincavam de casinha e de boneca, os homens de futebol e de luta…
Hoje, ao menos racionalmente, grande parte dos homens quer superar esse modelo, para vivenciar uma nova experiência de paternidade, mais participativa e que divida os ônus (mas também os bônus!) da criação dos filhos.
O problema todo é que, de tão arraigado, esse modelo tradicional é difícil de ser abandonado. Há muitas armadilhas pelo caminho, muitas vezes inconscientes. É importante ver que nem sempre a culpa é dos próprios homens. Várias vezes ouvi mulheres comentando ironicamente histórias como a do marido ou filho que foi trocar uma fralda e quase causou a destruição da casa, de tão sem-jeito que era; ou, então, de como se adotaram soluções práticas como o pai ir dormir na sala nos primeiros dias após o nascimento, enquanto sua mãe ou sogra dormiam no quarto com a mulher, para ajudar com o bebê… Por trás da gozação ou do caráter aparentemente inofensivo dessas histórias, muitas vezes se esconde uma pequena vingança inconsciente do mundo feminino contra a “invasão” de seu espaço tradicional – o da casa, do cuidado do bebê – pelos homens. O resultado acaba sendo, muitas vezes, o afastamento do homem.
Tenho dois casos pessoais a contar. No primeiro, uma pessoa da família perguntava sempre à minha mulher, muito surpresa, quando ela mencionava que iria conversar comigo sobre itens como roupinhas para arrumação do quarto do bebê ainda por nascer: “o que o Celso tem a ver com isso?” Noutro, quando estava procurando creche para meu filho, mais de uma vez fiz perguntas às pessoas que nos recebiam (sempre mulheres!) que foram respondidas não para mim, mas para a minha mulher, que estava ao meu lado!
Por que essas armadilhas são tão comuns e, por isso mesmo, tão perigosas? Porque muitas vezes, mesmo quando se quer mudar o modelo de paternidade, não se vivenciou nada diferente em casa: nossos pais, salvo raras e honrosas exceções, não foram assim.
É dentro desse quadro cultural mais amplo que podemos pensar mais especificamente sobre a importância do pai para a amamentação. Como o pai pode participar dessa fase, que deve durar até os seis meses de idade, de forma exclusiva, e até pelo menos dois anos, como complemento alimentar?
Em primeiro lugar, o pai ajuda muito quando não atrapalha! É infelizmente comum, nos relatos das reuniões dos grupos de apoio das Amigas do Peito, histórias de pais com ciúmes da intimidade do bebê com a mãe, que não querem que sua mulher amamente porque acreditam que seus peitos vão cair ou porque a querem mais disponível sexualmente.
Mas, além de atrapalhar, como o pai pode ajudar? Nas primeiras semanas de amamentação, é fundamental que o pai dê apoio emocional a sua mulher para amamentar. Nessa fase decisiva, muitas vezes as mulheres se sentem inseguras – “será que vou ter leite?”, “será que o bebê está bem alimentado?” – , e o apoio do marido é fundamental. Ele deve dar esse apoio não apenas por ser “bonzinho” e gostar de sua mulher, mas por compreender que a amamentação é a melhor alternativa para seu filho.
Além desse apoio emocional, o homem pode também dar um apoio mais concreto. Querer que a mulher amamente, mas não querer acordar à noite, não querer perder um jogo de futebol ou um chopp com os amigos, querer chegar em casa e que a mulher traga logo seu jantar quentinho… não dá! O pai pode ajudar muito a mulher nessas tarefas domésticas, aliviando seu desgaste e cansaço. Ele pode, por exemplo, ir buscar o bebê durante a noite, na hora de mamar, e levar para sua mulher na cama, uma posição confortável de dar de mamar nessas horas.
Outra fase em que a participação do pai pode ser fundamental é aquela na qual a alimentação do bebê deixa de ser exclusivamente através do peito, e novos alimentos são introduzidos. Os momentos de desmame parcial e, mais adiante, de desmame total, são muito importantes para o pai que quer adotar uma postura participativa. O bebê, nesse momento, ainda está muito apegado ao peito da mãe, tanto na hora de comer quanto na de dormir (quando geralmente acontecia a última mamada do dia). O pai pode ajudar muito nessa fase ao assumir mais tarefas como dar de comer e colocar o bebê para dormir.
É claro que muitas outras possibilidades de participação efetiva do homem na criação do filho, e especificamente no auxílio à amamentação, são possíveis. Quis aqui apenas transmitir parte de minha experiência pessoal e, com isso, ajudar outros pais e mães.
Celso Castro