Domingo, 23 de Novembro de 2008 | Versão Impressa
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Depressão atinge até 35% das mães
Pesquisa do Instituto de Psicologia da USP encontrou incidência do
transtorno três vezes mais alta em São Paulo
Simone Iwasso
Um outro lado da maternidade, distante do mundo cor-de-rosa dos
filmes, dos sonhos adolescentes e dos comerciais de televisão, tem
aparecido com maior freqüência na vida de mães e bebês paulistanos,
segundo pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo (USP). Ao acompanhar as consultas de pré-natal, o parto e os
retornos de mulheres atendidas em hospitais públicos da cidade,
aplicando um questionário padrão e uma avaliação, o trabalho
encontrou uma incidência de depressão pós-parto em 32% a 35% delas –
um número três vezes mais alto do que o identificado na literatura
médica internacional, que varia de 10% a 15%.
São mulheres que, em vez dos sorrisos constantes pela felicidade de
ter um bebê em casa, como elas e as famílias provavelmente esperavam,
se deparam com crises de choro, irritação permanente, dificuldades
para dormir e comer, sensação de desamparo e tristeza e falta de
apetite sexual – nos casos mais graves, podem ocorrer tentativas de
suicídio e atos de violência contra a criança. Além disso, sentem
raiva do bebê, o culpam por sua situação e, muitas vezes, acabam
sendo negligentes em relação aos cuidados de que a criança necessita,
tratando-a como um fardo. Esse conjunto de sintomas pode aparecer nos
primeiros dias após o parto e, se não for cuidado, persistir por até
um ano.
E não são só as mulheres que sofrem com essa situação. Uma série de
pesquisas indica que essa falta de contato com a mãe nas primeiras
semanas traz conseqüências para o desenvolvimento físico e neuromotor
da criança, persistindo nos anos seguintes: interagem menos com
adultos, estabelecem menos relações afetivas e têm níveis mais altos
de hormônios relacionados ao stress no organismo. Fazer um mapeamento
detalhado desses efeitos e o que eles acarretam na relação entre mãe
e filho é um dos objetivos da pesquisa da USP, financiada pela Fapesp
e pelo CNPq. O trabalho começou no ano passado e deve se estender
pelos próximos dois anos.
“O índice de depressão pós-parto que encontramos nas mulheres
atendidas foi realmente alto, três vezes maior do que o descrito na
literatura médica, e por isso partimos para análise dos fatores que
poderiam influenciar no comportamento dessas mulheres”, explica a
pediatra Maria Teresa Zulini da Costa, pós-doutoranda na USP e uma
das pesquisadoras do projeto, coordenado pelas psicólogas Emma Otta e
Vera Silvia Raad Bussab. “Encontramos, entre mulheres com depressão
pós-parto, um número alto de gestações não programadas e não
desejadas, falta de estrutura doméstica, ausência do pai da criança.
São mães que acabam tendo de arcar sozinhas com a maternidade”, diz.
Outro fator que evidencia a influência do aspecto socioeconômico na
depressão pós-parto é o fato de, em um grupo de mulheres atendidas
pela pesquisa em hospitais privados de São Paulo, a incidência do
transtorno não ultrapassar os 7%. Ressalve-se que, ainda assim, é uma
taxa significativa que mostra que a condição econômica e de infra-
estrutura não explica, sozinha, o transtorno.
CULPA
O alto índice de depressão pós-parto em mulheres de renda mais baixa
também foi constatado em um estudo com um universo menor de mulheres,
feito na Universidade Federal da Paraíba pelas pesquisadoras Evelyn
de Albuquerque Saraiva e Maria da Penha Coutinho. Ao acompanhar 84
mães usuárias de um serviço público de saúde, perceberam que cerca de
30% delas apresentavam o conjunto de sintomas.
“Apesar da alta incidência e também das múltiplas características
desse transtorno depressivo, o seu reconhecimento contraria a
sabedoria popular. O senso comum em relação ao período da maternidade
aponta para uma crença de que essa vivência proporciona sentimentos
agradáveis e prazerosos para todas as mulheres”, afirma Maria da
Penha. Ou seja, imersas numa cultura em que ser mãe é a realização
máxima da mulher, é muito difícil para as novas mães assumirem que
não estão bem e nem se sentem tão felizes como a sociedade espera que
elas se sintam.
“É complicado uma mãe assumir que tem sentimentos agressivos em
relação ao filho, porque toda a sociedade espera um comportamento
diferente. Mas é isso que acontece nesse período. Por isso a
importância do acompanhamento médico e psicológico”, explica o médico
David Pares, responsável pelo setor de medicina fetal do Laboratório
Fleury. “Quando os sintomas e os sentimentos negativos não
desaparecem em uma ou duas semanas, tempo em que é normal que eles
existam, é preciso a intervenção do psiquiatra e do terapeuta”,
explica ele, que reforça a necessidade de apoio por parte da família
e do pai da criança.
Atualmente, os médicos receitam antidepressivos para mulheres que
amamentam – a substância é transmitida pelo leite para o bebê, mas
segundo os médicos seus efeitos não são nocivos para a criança.
A administradora de empresas Helena Corsário, de 29 anos, tomou por
mais de um ano um desses remédios. “Eu amamentava chorando”, diz. “E
achava que era assim mesmo, que ficaria infeliz. Me sentia muito
culpada porque não tinha vontade de cuidar dela, nem de amamentar,
nem de dar banho”, afirma ela, que não tinha babá nem família por
perto. Ela conta que passou quatro meses nessa situação, alternando
estados de humor, até que um dia uma amiga, ao visitá-la, percebeu
que alguma coisa estava errada. “Ela viu que eu não estava nem
lavando o meu cabelo, estava muito ruim mesmo. E daí marcou a
consulta e eu fui.” Seis meses já se passaram e ela conta que está
melhorando. “Mas ainda hoje é difícil admitir que ter um filho me
deixou deprimida”, conta. “Você acha que ser mãe é tudo maravilhoso,
tudo lindo, mas não é assim.”
No caso da estudante Alessandra Aguiar Silva, de 22 anos, foi o
namorado quem percebeu o problema. “Ele disse que um dia chegou em
casa e me viu quase batendo no nosso filho. Ele fala que eu estava
com raiva, tirando a roupa dele com força.” Ela conta que no começo o
namorado brigou com ela, a família não entendeu. “Eu não me lembro
direito, faz um ano, mas parece mais, parece muito longe agora. Na
época, parecia que queria mesmo que ele não tivesse nascido”, diz.
“Hoje, meu namorado não está mais comigo e minha mãe me ajuda. E sei
que meu filho é a melhor coisa da minha vida. “