Amigas do Peito – O Estado de São Paulo

Amamentação sem tropeço

Traumas mamilares são a principal causa da interrupção do aleitamento materno. Saiba como evitá-los

Ciça Vallerio – O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO – Ninguém questiona mais a importância do aleitamento materno. O que muitas mulheres não sabem é que amamentar requer um mínimo de preparo para evitar os terríveis traumas nos seios: fissuras, dores e sangramento. Uma pesquisa nacional realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e Unicef revelou que 97% das mães iniciam a amamentação, mas 43% a interrompem antes de a criança completar 3 meses.

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Orientação gratuita: Fabíola Cassab faz parte da ONG Matrice, que já atendeu 300 mulheres

Uma das causas dessa parada está associada aos machucados nos seios. O estudo mostrou ainda que 58% das mulheres em fase de amamentação apresentam algum tipo de trauma mamilar – entre estas, 71% sofrem com fissuras. O motivo desses problemas é um só: falta de informação.

Muitas mulheres imaginam que amamentar é algo instintivo, basta colocar a criança no peito para tudo funcionar perfeitamente. Errado. “Apesar de ser um ato natural, faz parte do aleitamento materno uma dose de aprendizado”, avisa Rose Teykal, de 55 anos, uma das coordenadoras do grupo Amigas do Peito. “A sabedoria feminina era passada entre gerações, de mãe para filha, ou por outras mulheres da família. Mas hoje muito desse ensinamento se perdeu. Eu mesma sofri muito para amamentar e minha mãe já não soube explicar como fazer.”

Com o lema “somos mães que ajudam outras mães a amamentar”, a ONG carioca Amigas do Peito existe desde 1980 e oferece assistência gratuita para mulheres que se deparam com esse tipo de dificuldade. As cerca de 20 voluntárias promovem palestras, reuniões e até plantão de atendimento por telefone, recebendo pedidos de socorro de mulheres de todos os cantos do País.

A boa notícia é que São Paulo já conta com esse tipo de apoio gratuito, por meio da ONG Matrice, fundada em 2006, com o respaldo da pioneira Amigas do Peito. Já passaram pelas reuniões semanais cerca de 300 mulheres e o site tem, em média, 150 acessos diários.

Uma das fundadoras – e coordenadora – é Fabíola Cassab, de 31 anos, mãe de Paola, de 4. Ela sentiu na pele a dificuldade de querer amamentar, mas não conseguir. Inconformada, iniciou uma peregrinação por consultórios médicos. Em todos, ouviu a mesma resposta: “você tem pouco leite e precisa complementar a alimentação do bebê com mamadeira.” Mas não desistiu e saiu em busca de informação.

Por meio de um grupo de discussão na internet, teve a indicação de uma pediatra, a quem recorreu. Foi com ela que descobriu o motivo de tamanha dificuldade: a “pega” (termo usado para designar a pegada da criança no peito) estava errada. Leite, aliás, era o que não faltava em seu seio.”Depois disso tudo, decidi ajudar outras mães”, diz Fabíola. “Nosso objetivo é tornar real o sonho de toda mãe de amamentar seu filho.”

Segundo a médica Graciete Vieira, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, a “pega” errada da criança no peito da mãe é a grande responsável pelos traumas nos mamilos. “As mães devem saber como dar o peito para evitar machucados”, diz a especialista. “Porém, antes mesmo do nascimento, há uma série de recomendações para preparar essa região sensível.”

A médica desconsidera dicas populares, como passar limão no mamilo e aréola para “engrossar a pele”. Segundo alerta, em contato com o sol, a região pode sofrer queimadura feia, comprometendo ainda mais a amamentação. Outra recomendação comum é o uso da popular bucha. Aí surge uma polêmica. Para Graciete, a bucha deixou de ser indicada porque muitas gestantes acabavam se machucando.

No entanto, a ginecologista e mastologista do Centro de Referência da Mulher do Hospital Pérola Byington, Angela Trinconi, não deixa de recomendar a buchinha para suas pacientes. “Sempre explico que não é para esfregar, e que devem fazer uso daquelas sintéticas, que parecem espuma, fazendo movimentos circulares na região apenas uma vez ao dia durante o banho, e só após o sétimo mês de gravidez”, ressalta Angela. “Só então se faz uma leve esfoliação da pele, para deixá-la mais espessa, preparando-a para a amamentação.”

Orientações como essa, além de outras que envolvem a “pega” correta, deveriam fazer parte das consultas médicas e do atendimento nas maternidades. Mas a realidade é outra, como fala a advogada Analucia Zuliani, de 35 anos:

– Eu que toquei no assunto com meu ginecologista, que me deu algumas dicas, mas sem detalhes. Quando minha filha nasceu, a enfermeira da maternidade que orientava a amamentação mostrava irritação diante da minha dificuldade. Fui fazendo do meu jeito. O bico começou a rachar, sangrava e doía muito. Aguentei firme, mas não foi fácil.

Para casos de rachaduras, médicos costumam recomendar uma pomada à base de lanolina em “grau médico”, ou seja, alto grau de pureza, para ajudar na cicatrização – com a vantagem de que o bebê pode ingerir durante a mamada, sem riscos para a sua saúde. “Antigamente os cremes prescritos continham antibiótico e, por mais que a mulher tirasse antes da amamentação, sempre ficava um resíduo”, explica Simone Mayor, dermatologista da Biolab, que esteve à frente do desenvolvimento de uma pomada nacional para esse fim, com aval da Anvisa.

Apesar de haver produtos que ajudam a cicatrizar a mama, Simone lembra que o primordial é não deixar que esses problemas apareçam. “Pomadas são coadjuvantes nesse processo, pois evitam que a mãe não desista da empreitada”, avisa. “Melhor do que usar remédio é saber a ?pega? correta.” E quando se trata de amamentação, surgem muitas outras dúvidas. Engana-se, por exemplo, quem imagina que implante de silicone no peito e cirurgia de redução mamária sejam motivos para dar mamadeira.

A mastologista Angela explica que casos de deslocamento de prótese por causa da amamentação são raros: o importante é que o silicone seja implantado abaixo das glândulas mamárias, e a cirurgia não seja feita pela aréola, pois um corte nessa região pode danificar os canais por onde passam o leite. Deve-se também respeitar o tempo de fixação da prótese, que é de cerca de um ano. Nas reduções mamárias, deve-se certificar de que apenas o tecido adiposo seja retirado, não as glândulas ou os canais.

Dicas preciosas
Após o banho, enxugar bem os mamilos e auréolas com toalha macia. Umidade deixa a pele mais sensível, e menos resistente à sucção do bebê.

Tome banho de sol todos os dias, por 20 a 30 minutos, deixando que os raios incidam diretamente nos seios nus. Lembre-se de fazer isso nos horários em que o sol não causa danos: até as 10 horas ou no final da tarde.

Na falta de local para tomar sol, substitua pela exposição diante de uma lâmpada incandescente de 40 watts, ficando a uma distância de 30 a 40 centímetros. Tempo: de 20 a 30 minutos, de uma a duas vezes ao dia.

Evite o uso de cremes e pomadas no bico do seio, e também de absorventes ou lencinhos, utilizados para evitar vazamento de colostro ou leite na roupa. Isso só agrava a sensibilidade, por deixar a região úmida. Prefira trocar o sutiã.

Deixe a região bem arejada. A dica é pegar um sutiã velho, cortar dois círculos que correspondam às aréolas, para que fiquem ventiladas, secas e para que o atrito com a roupa engrosse a área aos poucos.

Atenção à “pega”: como o depósito de leite fica armazenado sob a aréola, é importante que o bebê abocanhe toda a região, não apenas o bico.

A posição correta: o queixo do bebê deve ficar bem encostado à mama da mãe, e ambos precisam estar juntos, “barriga com barriga”.

Evite puxar o bebê do peito, pois a tendência é que ele abocanhe com mais força. Para que ele solte o seio sem machucar, introduza o dedo mínimo no cantinho de sua boca.

 

Serviço

Amigas do Peito: www.amigasdopeito.org.br, tel.: (21) 2285-7779. Para participar do grupo de discussão, entre no blog www.amigasdopeito.wordpress.com

Matrice: http://matrice.wordpress.com. Reuniões todas as sextas, das 13h30 às 15h30, no GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), R.: Natingui, 380, sala B, Vila Madalena. Plantão de atendimento, com Fabíola, tel.: 9622-3737.

 

www.estadao.com.br – Suplemento feminino de 14/3/2009. Link: http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup339003,0.htm


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