HOMENGEM À BÍBI VOGEL
HOMENGEM À BÍBI VOGEL
Homenagem à Bibi Vogel pelo Dia Internacional da Mulher de 2004
Texto coletivo lido pelas suas Amigas do Peito na homenagem do dia 9 de março de 2004, na ALERJ:
Hoje estamos reunidos na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro para homenagear nossa companheira Bíbi Vogel. É doloroso para nós que ela esteja neste momento em Buenos Aires quando a sentimos tão perto de nós. Seu delicado estado de saúde não permitiu que ela viajasse para cá hoje. Muitas vezes na vida dor e alegria se misturam de forma vigorosa. Agora é assim, a alegria desta homenagem se mistura com a dor de ver Bíbi doente, em sua conhecida coragem de se expor, de seguir adiante, de viver plenamente cada experiência socializando seus sentimentos e reflexões.
Bíbi é assim, corajosa, medrosa, ousada, tímida, artista, delirante, realista, realizadora, atrapalhada, solidária, solitária, apaixonada, livre, presa,poliglota, elegante, bonita, vaidosa, humilde, amiga, fácil, difícil… Bíbi é uma mulher completa e homenageá-la no Dia Internacional da Mulher é homenagear uma vida de mulher. Sua trajetória é uma trajetória de mulher, comprometida com ser mulher e com as outras mulheres num mundo ainda desigual.
Nossa amizade começou em 1980 quando ela veio de Buenos Aires amamentando Mayra e trazendo consigo um modelo de grupo de apoio à amamentação entre mulheres. Até então ela era conhecida como atriz de sucesso, como uma bela modelo de moda, como cantora acompanhando Sérgio Mendes nos EUA. De lá para cá sua trajetória mudou radicalmente: ficou conhecida no mundo menos glamuroso da luta pelos direitos humanos, como militante feminista e ativista da amamentação.
Quem conhece a história de Bíbi se impressiona com a riqueza de experiências, com o valor desta mulher, que provou de muitos e diferentes aspectos da vida. Sua origem traz na história de seus pais, imigrantes judeus alemães fugidos do nazismo, uma história de luta, sofrimento e valentia. Herdou de sua mãe, cantora lírica, o dom de ser artista. Herdou de seu pai, militante socialista, a busca da justiça e a crença na solidariedade. Bíbi Vogel, que se chama legalmente Sylvia Dulce Kleiner, fez destas heranças uma mistura livre e corajosa e seguiu em frente. Seu apelido, Bíbi, era porque sua mãe admirava a atriz Bibí Ferreira e no seu português alemãozado lia Bíbi Ferreira…e apelidou a pequena Sylvia de Bíbi… e Vogel era o sobrenome de seu primeiro marido.
Iniciamos com ela o grupo das Amigas do Peito que traz no seu nome a amizade. Nos envolvemos e batalhamos muito para amamentar nossos filhos, então nos anos 80, isso era ainda mais difícil do que hoje. Um ano depois, ao comemorar nosso primeiro aniversário do grupo, escrevemos uma carta para Bíbi e nas despedidas criamos o trocadilho, das suas amigas do peito, que até então era usado para denominar amigos queridos, amigos do coração. Bíbi se emocionou com a carta, e como sempre entusiasmada propôs trocar o nome do grupo, até então Grupo de Ajuda Materna, para Amigas do Peito. Bíbi será sempre, em todos os sentidos, nossa primeira Amiga do Peito.
Durante os anos que nos conhecemos Bíbi tinha ido para a Argentina por uma historia de amor com o diretor de teatro Alfredo Zemma, com quem se casou e teve uma filha. Sua filha Mayra, hoje com quase 25 anos, vive em Buenos Ayres, onde nasceu, o que mantém nossa amiga Bíbi na Argentina. Desde então trabalhou com Alfredo em diversas produções teatrais até que se separaram, depois de um longo casamento.
Na Argentina, além de militar sempre na Amamentação, trabalha na APDH (Asamblea Permanente por los Derechos Humanos) e mantém as Amigas do Peito conectadas com grupos feministas. Produziu 3 vídeos sobre maternidade, trabalhou como cantora de música popular brasileira, viajou para a Noruega e Holanda representando as Amigas do Peito e buscando contactos e patrocínios internacionais.
Na comemoração dos 20 anos das Amigas do Peito idealizou e produziu uma exposição de artes plásticas e humor com os mais conhecidos cartunistas argentinos e brasileiros que foi exposta em Buenos Aires e no Museu da República no Rio. Muitas e muitas idéias saíram desta cabeça delirante, muitos sonhos sonhamos juntas, e realizamos muitas ações transformadoras da sociedade. Nos anos 90, por exemplo, Bíbi se sentiu triste de ver suas companheiras feministas rejeitarem a luta pela amamentação como uma luta feminista, como se fosse um retrocesso desejar ser mãe e ficar eventualmente afastada da profissão temporariamente. Nossas intermináveis discussões conseguiram unir nossas lutas, e hoje, as filhas das pioneiras que queimaram sutiãs têm a liberdade de desnudar seus peitos e amamentar.
Hoje ver Bíbi ser homenageada é uma vitória de uma mulher que se deu sempre o direito de ser livre em sua cabeça, em seus pensamentos, de não aceitar preconceitos mesmo quando vindo dos amigos. É para as Amigas do Peito um enorme orgulho ver Bíbi Vogel hoje homenageada, é muito forte esta homenagem para cada uma de nós que privou de partilhar sua vida que ela tão generosamente abriu para quem precisasse. É maravilhoso partilharmos todos a dor e a alegria de ter a ausência e a presença de Bíbi Vogel conosco aqui, agora.
Amigas do Peito